31 de outubro de 2015

"Palavras, para quê?"


James Ensor, A intriga
Vasco Pulido Valente, no PÚBLICO (ou do que, no PÚBLICO, vale a pena ler):
«O CDS e o PSD vão à Assembleia da República discutir. O quê e com quem? Não há uma oposição, há três, que aparentemente tencionam apresentar as suas particularíssimas razões para rejeitar o Governo. Só por milagre a coisa não dará numa berraria inútil. E que ganhará a coligação com isso? Nada. Pelo contrário, compromete de certeza a sua razão e a sua legitimidade. Não se trata gente como se ela fosse igual, quando ela não o é. O CDS e o PSD devem ouvir e calar; e sair daquela mascarada dignamente e sem comentário de espécie alguma. A esquerda que fique por lá num comício íntimo a repetir o que já disse em toda a parte. O país que os veja bem sem interrupção e que tire as suas conclusões. Sem ruído, como quem assiste a um espectáculo para sua edificação.
E depois com quem ia a coligação falar? Com o PCP, que ainda ontem repetia pela boca de Jerónimo de Sousa os lugares-comuns da seita, sem faltar uma vírgula, e que deu a entender que a sua putativa aliança com o dr. Costa não tinha outra base, excepto a sua conveniência? Quem pode adivinhar o que é, ou não é, o verdadeiro interesse dos trabalhadores, segundo Jerónimo? Anteontem, o Avante! declarou que sem a “renegociação da dívida” (um eufemismo para não a pagar) e sem nacionalizações (da banca, claro) os trabalhadores continuarão na mesma. Será que o PC já explicou isto ao dr. Costa? Talvez por isso ainda não apareceu o misterioso “papel”, que Jerónimo acha dispensável e o PS o fundamento da sua política. Ninguém até agora conseguiu apurar. E como tenciona a coligação discutir o seu programa sem o comparar com o programa da “esquerda”?
E o Bloco? O que pensa do mundo essa tresloucada agremiação? Deve ser difícil descobrir. O Bloco tem seis chefes, tem um porta-voz, tem 3000 profetas e tem três medidas para salvar a Pátria. Para lá disto, não há mais que nevoeiro e uma inextricável trapalhada. Consta que parte daquela sociedade se confessa trotskista e outra marxista-leninista. Não acredito, exactamente como não acredito em fantasmas, nem que a terapêutica médica persista na sua devoção à sangria. Verdade que a “esquerda” é um museu, mas não anda por aí a distribuir antiguidades. E se as distribuir ao CDS e ao PSD não vale a pena perder tempo com lições de história. O Bloco precisa de uma creche; e o cidadão sério precisa seriamente de perceber a brincadeira em curso.»

Bigornas e "neo-liberais"



« Pacheco Pereira, entre outros, conjecturam que o PSD e o CDS foram tomados por perigosos radicais de direita. Dada a gravidade do assunto, e por forma a conter potenciais epidemias, elaboramos um questionário para aferir se é um perigoso e radical, passe o pleonasmo, de direita. Se responder afirmativamente a todas estas questões, então podemos garantir ser um radical de direita.

  1. Sabe que, pelo menos no planeta Terra, se atirar uma bigorna ela cai; sabe que se a atirar para cima da sua cabeça a bigorna cairá na sua cabeça; e sabe-o de forma apriorística, sem ter de conduzir qualquer experiência; 
  2. Suspeita quando lhe vendem Nirvanas, fins de austeridade, e outros amanhãs que cantam efabulados por pessoas que não passariam o teste da bigorna;  »
  3. ...

30 de outubro de 2015

"Os seis telemóveis de José Sócrates"




Diria que este artigo de opinião de Francisco Teixeira da Mota, no PÚBLICO, se apresenta como uma espécie de "corpo estranho" naquela que tem sido a orientação do jornal. Espero, pela minha parte, que tais "corpos estranhos" se multipliquem e se estabeleçam, por fim, como parte integrante dessa orientação.

«José Sócrates sempre conviveu mal com a liberdade de expressão e de informação. Enquanto foi governante, recorreu inúmeras vezes aos tribunais com processos-crime e cíveis para silenciar a informação que não lhe agradava. Apresentava pedidos de indemnização de elevado valor para intimidar os jornalistas e as empresas de comunicação social, uma vez que estas são obrigadas a contabilisticamente provisionar esses pedidos. Tanto quanto sei, sem grande sucesso final, mas com o desejado desgaste dos seus críticos.


Pessoalmente, tenho a maior desconfiança dos políticos que recorrem aos tribunais para calar os seus críticos e detractores. Mesmo que as notícias em causa não sejam justas nem correctas. Aqueles a quem confiamos a gestão da “coisa pública” têm de aguentar um maior escrutínio da sua vida do que os cidadãos comuns. É um preço que pagam por serem poder e que nos protege dos abusos desse mesmo poder. Não tenho dúvidas de que, ao recorrerem sistematicamente aos tribunais, este tipo de políticos quer criar um deserto à sua volta para poderem fazer à vontade o que não querem que se saiba que fazem. Seja criminal ou não.


José Sócrates, regressado à liberdade, regressou de imediato à sua prática intimidatória e de combate à comunicação social. Desta vez, parece ter conseguido o que queria, embora ainda não seja completamente claro o que conseguiu. O tribunal, numa providência cautelar sem ter ouvido a parte contrária, decretou um silenciamento noticioso que pode ser extremamente grave.


É certo que o que o tribunal determinou foi que não possa ser divulgado “o teor de quaisquer elementos de prova constantes do processo de inquérito” e pode considerar-se que com essa proibição mais não está do que a reafirmar o segredo de justiça que ainda vigora para o exterior no processo da Operação Marquês. E, nesse sentido, a decisão judicial, para além de lamentável nas suas diversas componentes, nomeadamente ao fixar pesadas multas pelo incumprimento, não estaria a restringir a liberdade de informação muito para além do que decorre do regime do segredo de justiça.


Mas essa mesma expressão pode ser entendida como abarcando tudo o que consta no processo. Na verdade, os "elementos de prova" são todos os objectos, documentos ou dados susceptíveis de servir como meio de prova em processo penal relativo a uma infracção penal. Será que se pretende proibir que os jornais do grupo Cofina possam falar da casa de Paris? Da casa da ex-mulher? Do monte alentejano da ex-mulher? Das casas da mãe? Mas sobre essa matéria existe muita informação fora do processo. Pelo facto de constar do processo, não pode ser divulgada? Seria um verdadeiro escândalo que a decisão judicial pretendesse abarcar toda esta informação.


Cabe ao grupo Cofina, que só agora vai ser ouvido no tribunal, convencer o tribunal da aberração jurídica e factual que resultaria de tal entendimento em termos de violação da liberdade de expressão e informação.


Saliente-se que a decisão judicial contém, ainda, outros absurdos como, por exemplo, o de não definir um prazo para a proibição. Quando cessar o segredo de justiça externo, ainda assim estariam os jornalistas do grupo Cofina proibidos de publicar os elementos de prova?


Convém, contudo, lembrar que os tribunais cíveis são, em geral, menos sensíveis à importância primordial da liberdade de expressão do que os tribunais criminais e há, neste campo, um precedente perigoso: Rui Pedro Soares, homem de confiança do ex-primeiro-ministro nas suas estratégias de controlo da comunicação social, conseguiu há uns anos uma decisão judicial do mesmo tipo, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que levou o jornal Sol, devido ao elevado montante das multas, a enfrentar a impossibilidade de sobrevivência que só foi evitada com a mudança dos titulares do capital social. Está pendente uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra Portugal, por violação da liberdade de expressão neste caso.
Certo é que na sua estratégia de defesa criminal, o ex-primeiro-ministro não hesitará em lançar mão de todos os meios que lhe foram úteis para os seus fins. Depois de durante meses reiterar que nenhuns factos existem contra si no processo-crime denominado Operações Marquês, veio agora pedir aos tribunais a proibição da divulgação dos factos nele constantes. Por não serem criminais?»

Um país não é suposto ser "governável"



O Presidente da República farta-se de falar na ingovernabilidade do país. Ele que me desculpe, mas há contaminação socialista na sua forma de pensar.

O que é ingovernável em Portugal é o estado. É o estado e porque os políticos se vêm não só na obrigação mas no dever! de governar o país.

O país não precisa de ser governado, quem precisa de ser governado é o estado adaptando-o ao dinheiro que o país está disposto a gastar com ele.

29 de outubro de 2015

"A cor dos extremismos"



Destaco este excerto do artigo de opinião de André Abrantes Amaral, no Jornal i:

«(…) PCP e BE aceitam agora o euro, mas impõem medidas que minam a continuação na moeda única. Esta tem regras e o dinheiro para a despesa que se avizinha virá dos mercados. A esquerda tem destas incongruências: em nome da soberania, torna-nos mais dependentes. Será curioso ver a esquerda, à semelhança de Salazar, clamar contra o estrangeiro quando as coisas não correrem bem. É que, por muito que doa, os extremismos têm a mesma cor e não se justificam. Combatem-se.»

27 de outubro de 2015

Do género no xixi da política




As eleições polacas, ao contrário das portuguesas, resultaram numa maioria absoluta – o vencedor é um partido que leva o bárbaro nome de Lei e Justiça, chefiado por Beata Szydlo; em segundo lugar, ficou o Plataforma Cívica, da ex-primeira-ministra Ewa Kopacz; finalmente, já fora do parlamento, ficou a coligação de esquerda, liderada por Barbara Nowacka.

Três mulheres. É isto bom? Para os grupos feministas, não: elas são, à exceção da terceira, apenas "instrumentos no jogo político". Vem nos jornais. Expliquemos então esta encruzilhada: há mulheres e mulheres; Jóhanna Sigurðardóttir, ex-PM islandesa, é mulher; Margaret Thatcher, nunca. Dilma Rousseff é mulher; Angela Merkel, não. Hillary Clinton é mulher (não muito), mas Carly Fiorina, a rival republicana, não. Helle Thorning-Schmidt, que foi PM dinamarquesa, é mulher; Marine Le Pen, não. Catarina Martins é mulher; a polaca Beata Szydlo, como toda a gente sabe, até faz xixi de pé.

A esquerda do nosso descontentamento



Dela aqui se dá (mais uma) notícia.

"Outra República?"



Maria João Avillez, no Observador, deu voz ao que é o meu ponto de vista sobre aquilo de que trata. E chamo a atenção, em especial, para o último parágrafo do texto, a respeito do qual, talvez mais do que nenhum outro, convém reflectir.

« 1. O Presidente da República não é um cabide. Compete-lhe voz, opinião, critério e fundamentação. Foi o que fez no pleno entendimento da natureza das suas funções. Com considerações a mais? Porventura, mas seja como for o país, daqui uns meses – quando for tarde de mais – lembrar-se-á de cada uma das suas palavras. Fez um discurso forte, o que é porém muito distinto de ter feito um discurso violento e divisionista como – por exemplo – o que fez Sampaio quando despediu Santana Lopes, que estava escorado numa maioria absoluta, política, coerente e não meramente numérica e descaradamente artificial como a suposta existir hoje. (Sugiro a propósito a leitura das reações de aplauso e jubilo dos líderes do PS, do PCP e do BE face a esse extraordinário gesto do então Presidente – vistas à luz do que a esquerda diz hoje, acusa hoje e insulta hoje, essas reações são quase indecorosas).

a) Ao contrário do que se disse – muitas vezes insultuosamente e num tom raramente praticado entre nós –, Cavaco Silva não alertou os “mercados”, alertou-nos a nós e ao país para o que irá ser o previsível comportamento dos fatídicos mercados – e do BCE e de Bruxelas e das suas regras de jogo. Não é de todo o mesmo que ter decidido malevolamente “alertar” esse universo, que para o bem e para o mal, é o nosso.

b) Não “uniu” o PS – nem um mágico hoje o uniria! –, nem dividiu deputados. Enfatizou a responsabilidade de cada um deles neste momento, o que não é pouco, mas não é o mesmo. Estando o jogo político circunscrito à arena parlamentar, porque não há-de o Chefe do Estado pedir aos jogadores que atentem no jogo?

c) Não disse que nunca daria posse a um governo de extrema-esquerda. Nem podia, como é óbvio e ele bem sabe. Disse que não dava “agora” e explicou porquê. Mas ao mesmo tempo e justamente com o que disse “agora”, avisou as navegações do mau tempo que as espera. Se no uso das suas prerrogativas o Presidente da Republica acha que os programas partidários e as vontades políticas da extrema-esquerda, uma vez aplicadas, lesam o interesse nacional, porque não há-de dizê-lo? Soares fez o mesmo, Sampaio fez o mesmo. A escolha, cabe agora e bem, aos deputados. A serem derrubados, Passos Coelho e a coligação devem sê-lo no Parlamento e não por António Costa na rua ou num cabeçalho de jornal.

2. A eleição de Ferro Rodrigues não surpreende nem ao de leve. Mas ao contrário do que se disse – com esta mania de acharem que meio país é estúpido – não foi nem o verbo, nem o tom do Presidente que “elegeu” Ferro. Quem se julga a dez minutos e a dez metros do poder e das suas benesses como qualquer deputado socialista se julga – nem que ao nível de um sublugar num qualquer falido organismo estatal – não corria o risco de ir dentista nesse dia, falhando a votação. Do mesmo modo que nenhum parlamentar do PS irá ao médico ou ao Porto ver a mãe na votação do programa do Governo. Sendo óbvio que uma parte do PS não comprou esta louca aliança política, não se revê nela e está à espera de ajustar contas com António Costa, o tempo é de medir conveniências próprias. Não é o momento para ser livre, nem para estar à altura da herança do PS nestes 40 anos. Ninguém ousará hoje um passo em falso. A coragem dá trabalho. Sabe-se lá o que é o dia de amanhã.

3. Depois do líder do PS ter solenemente avisado o país de que nunca votaria uma moção de rejeição ao Governo sem dispor de uma alternativa, não dispondo de uma alternativa vai votar a moção de rejeição ao governo. A boa companhia da extrema-esquerda vai saltar-lhe ao caminho e – mais cedo que tarde – arreganhar-lhe o dente, já todos os disseram, em todos os tons. Até lá espera-se o parto do acordo que – de momento – persiste em não ver a luz da glória. Ou terá sido por acaso ou por “razões pessoais” que Cavaco Silva referiu como “inconsistente” algo que ainda não existia? De “consistente” o que há verdadeiramente é a obsessão de António Costa com o lugar de Passos Coelho.

Basta (saber) ouvir Jerónimo de Sousa, o adorado “avô” da media durante a campanha eleitoral, para observar o pouco que ali se costuma brincar em serviço: o PCP precisa de oxigénio para a CGTP, precisa de não ser subalternizado, precisa de moedas de troca para os seus e como tal agirá. E assim sendo, ambas as facturas a pagar, a do BE que já conhecemos e a do PCP se este vier a apresentá-la, serão caríssimas. Cá estaremos para ver, e infelizmente para as pagar.

Mas… e Mário Centeno? Há dias mandaram-me um mail com o vídeo de uma conferência de imprensa sua, realizada há meses, no Largo do Rato. Perguntei a quem me enviou se era uma montagem ou uma dobragem (que foi o que me pareceu). Não era. Era a sério. Espantei-me com o comportamento desnorteado de Mário Centeno, balbuciando, sorriso cativante mas olhar de náufrago, a sua impossibilidade de responder a uma questão com o argumento de “serem muitos números”. Mas o que não julguei possível foi que o coordenador de um programa económico “de governo” tenha vindo a assistir, impávido e mudo, à descaracterização, step by step, daquilo que seriamente procurou inspirar e coordenar. Que dirá a si mesmo ao fim do dia deste vexame?

A vida continua e Mário Centeno continua a frequentar a extrema-esquerda ao lado de Costa: como se nada fosse e caucionando tudo.

4. Andam para aí apostas sobre se Cavaco Silva indigitará António Costa para liderar um governo integrado ou apoiado por radicais se a coligação for chumbada como sofregamente a esquerda anuncia. Também circulavam apostas sobre se o Presidente indigitaria Passos Coelho para formar novo Executivo quando era bem de ver que não podia fazer outra coisa. Não valiam a pena nem as apostas, nem as ânsias. Agora também não. E só os que não medem nem alcançam o que significaria para o país um governo de gestão podem prosseguir com as apostas.

5. Há gente dividida, um clima crispado, tensão no ar, radicalismo, linguagem insultiva. Uma revolução, em acabando – mal ou bem –, esgota-se. Por natureza e definição nada disso pode ser comparável ao tempo politico que vivemos hoje, numa democracia estabelecida e num Estado de direito, mesmo se uma e outro em acentuada perda de sentido e de valores.

Aflige-me e perturba-me este estado de coisas. Está a ir-se tão longe na irracionalidade nos modos e nos procedimentos políticos que o retrocesso vai ser difícil e o reequilíbrio porventura impossível. Talvez já só noutra República. De um dia para o outro – literalmente –, metade do país passou, aos olhos da esquerda, a ser constituída por inimigos em vez de adversários, olhados com acinte, tratados com inclassificável desprezo, (quase) acusados de traição e sem direitos políticos. Os grandes mestres do ressentimento, os grandes encenadores do ódio, os praticantes da crispação, podem dormir descansados. Eu é que talvez não consiga.»

26 de outubro de 2015

A VERDADE A QUE TEMOS DIREITO



Sócrates foi a uma secção do PS de Vila Velha de Ródão conferenciar (ou seja, numa fuga para a frente agitar as pequenas massas que o foram vistoriar). E de acordo com diversos comentadores não se eximiu a, no mais puro estilo leninista de escada-abaixo, exalar a "verdade a que temos direito"...


O sr. José Sócrates Pinto de Sousa é um aventureiro político, um verdadeiro "condottieri" à guisa de Mussolini ou do velho Rosas sul-americano. Em vista disso é um indivíduo cuja concepção de verdade é elástica, tão elástica que o certifica como um tipo que diz a “verdade” que lhe convém.


Muitos o têm classificado como megalómano. Não sei se o é, prefiro colocá-lo apenas no patamar da política, ou baixa política, que o enforma. E, aí, tem-se mostrado uma figura na qual se corporiza tudo o que de mau, de mais rasca, existe neste país e até na Europa em que se move: a pedantice camuflada de colações de grau, a mediocridade trajada de dinamismo balofo, a liderança à guisa dum antigo Piero Del Ponte ou dum Giovanni Da Negri, esses quatrocentistas que ficaram na História de Itália como sicários e “homens de destino”.


Independentemente de ser eventualmente um vigarista – o Sistema Judicial o julgará, que a nós não nos caberá tal acto – é como político um tipo para quem a História será dura. Um mau elemento como político, talvez mesmo um mau elemento como pessoa. O Futuro aí estará para o avaliar, pois “à História eles não escapam”.

25 de outubro de 2015

Ora alembrem-se lá...


"Até quando Catilina?"




A interrogação é de Helena Matos, no Observador. E a minha, já agora. 

«Ferro Rodrigues, contra os usos e os costumes da democracia, torna-se presidente da Assembleia da República.

José Sócrates apresenta-se numa conferência como se fosse primeiro-ministro e compara-se a Luaty Beirão.

António Costa prepara-se para fazer um acordo com o PCP e o BE, defende que tal corresponde “a deitar abaixo o resto do muro de Berlim” e declara que “os socialistas nenhuma lição têm a receber do professor Aníbal Cavaco Silva”.

O PS considera que a indigitação de Passos “faz o país perder tempo” e promete construir uma “muralha de aço” nos próximos dias.


Não, não é um manicómio em autogestão. É apenas um país a entrar no modo de funcionamento do populismo revolucionário. Vivermos esta degradação do regime tornou-se inevitável desde que António Costa percebeu que assegurava a sua sobrevivência política caso tirasse o PS do arco da governação e o colocasse numa frente popular.

Desde esse momento o país mudou e ficou condenado a mudar muito mais. Não falo da dívida, dos impostos, do crescimento económico ou do desemprego. Falo de algo muito mais profundo e determinante. Falo de valores, de moral, de bom senso e de civilidade. O espírito de frente popular é incompatível com tudo isso. Ou mais concretamente tem uma visão instrumental de tudo isso.

Tornar aceitáveis os procedimentos mais abstrusos, os comportamentos mais questionáveis e as opções mais contraditórias é a mecânica quotidiana dos chamados processos revolucionários: o que hoje é mau amanhã é bom. Tudo é urgente e tudo pode logo ser esquecido. O sentido de ridículo desaparece. O de decência também.

Os países partem-se em dois, o que era habitual torna-se de repente uma excentricidade ou um vício: o presidente da Assembleia da República era do partido vencedor das eleições? Pois era. Agora deixou de ser. Até agora convidava-se a formar governo o líder do partido mais votado. De agora em diante ou quando a frente popular achar conveniente, esse procedimento torna-se desnecessário, inútil, uma perda de tempo, um formalismo… Se amanhã lhes convier voltar ao que estava instituído arrancarão as vestes de indignação com a simples hipótese de alteração das regras. Se algum ingénuo lhes lembrar que foram precisamente eles que as alteraram imediatamente será acusado de estar sempre a falar do passado, de ser um ressentido, de não querer discutir o presente…

Que as pessoas que agora defendem este modo de proceder tenham dito precisamente o contrário até há duas semanas não interessa nada porque a primeira regra a fixar quando se passa a viver sob o regime das frentes é que os procedimentos não são baseados na legitimidade mas sim na capacidade de os apresentar como justificáveis naquele preciso momento e para aquele preciso momento. No frentismo a justificação instantânea cumpre o papel dos valores.

E é no frentismo que nós já estamos a viver. E porque o estamos a viver não reagimos à megalomania de Catarina Martins que anda há duas semanas a comportar-se como se fosse presidente da República, chefe de Governo e líder do PS (só o PCP escapou aos anúncios urbi et orbi da líder do BE) e ao papel de “faz de conta que sou negociador” representado por António Costa: à direita não negociou porque não quis, à esquerda não negociou nem negoceia porque já não pode (Costa precisa muito mais do PCP e do BE do que estes dele.) E ficamos em estado de anomia perante a patética performance representada por Sócrates que ontem se via Mandela, hoje Luaty e amanhã, quem sabe, de volta à política (até quando se podem apresentar candidaturas à Presidência da República?).

Como é claro tudo isto vem acompanhado de múltiplas explicações reconfortantes que cumprem o papel de apaziguar as almas cúmplices.

Na verdade estas derivas populistas só acontecem porque para lá daqueles que as apoiam convictamente temos aquela simpática mole de gente que gosta de dizer (baixinho e com muitas histórias dos bastidores) que está contra mas que tem de se ter cuidado para não fazer o jogo de A ou B.

A última destas narrativas diz-nos que no PS teria havido um sobressalto cívico caso a intervenção de Cavaco Silva não tivesse sido tão dura. Reza a ainda a historieta que ao ouvirem Cavaco Silva os críticos da actual liderança do PS resolveram de imediato apoiar a eleição de Ferro Rodrigues e a estratégia de Costa.

Ah Catilinas do nosso tempo, até quando abusarão não da da nossa paciência, que estamos condenados a tê-la, mas sim dessa mania de fazer dos outros parvos?

Comecemos pelo óbvio: que convicções são essas, refiro-me às dos críticos de Costa, que se desvanecem mal ouvem o PR dizer o que todo o país sabe – existe a possibilidade de chegarem ao governo partidos que votaram sempre contra os acordos básicos da democracia portuguesa? E não votaram secretamente: orgulham-se disso e consta dos seus programas.

O discurso de Cavaco só chocou quem precisa de se mostrar chocado para manter a farsa das dúvidas e dos críticos dentro do PS. Infelizmente o PS tornou-se um partido sem dúvidas e de críticos calados muito antes de Costa ter chegado. Os socialistas calaram-se perante a forma inqualificável como os seus dirigentes reagiram ao processo Casa Pia. Depois calaram-se perante os desmandos de Sócrates. E agora vão calar-se perante a estratégia de Costa.

Em todos estes momentos foram arranjando histórias, justificações e teorias mais ou menos cabalísticas não tanto para explicar o sucedido mas sobretudo o seu silêncio perante os factos. Muitos deles sem explicação e alguns sem perdão.

Mas em todos esses momentos os socialistas calaram e pactuaram. Porque não havia direito de o juiz A fazer o que fez, de o jornal B escrever o que escreveu, de o Presidente dizer o que disse… E vão continuar a pactuar e a calar. No fim, como aconteceu com a descolonização sobre a qual os socialistas nunca fizeram uma reflexão sobre as suas responsabilidades, transferindo as culpas para Cunhal, Salazar e Caetano, tudo falhou e vai falhar por culpa dos outros. Quando esta frente se desfizer a culpa vai ser de Cavaco que não estendeu a mão ao PS, de Passos que não quis negociar, do PCP que não cedeu, do BE que não ajudou…

Quando vai acabar? Não sei. Mas tenho uma certeza a esse respeito: todos estes truques que PS+PCP+BE estão a usar para chegar ao poder serão exponenciados na hora de o deixar.

Para lá desta certeza tenho também a esperança de que em França alguém seja capaz de fazer um discurso como o de Cavaco caso os líderes do centro se sintam tentados a aliar-se a Marine Le Pen.

E por fim tenho uma sugestão: leiam os clássicos. Cícero, por exemplo na sua invectiva a Catilina.


Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio?

Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?

Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?»

24 de outubro de 2015

Um caso de Alzheimer fulminante...



... ou de perigo mortal de saúde pública devido a uma ratazana do esgoto político? Ora ouçam-na chiar entre o 3.º e o 7.º minutos.

23 de outubro de 2015

Duas reflexões interessantes



Aqui. E aqui.

"Ética republicana"



Ao longo dos anos Mário Soares declarou repetitivamente que a "europa" interessava a Portugal enquanto ferramenta para que o nosso regime não recaísse num dos fascismos: o de cariz nazi ou o de cariz estalinista.

Não sei se ponderou a hipótese de tal vir a acontecer por via do seu próprio partido.

22 de outubro de 2015

A alternativa disciplinadora



    Respondendo, ontem, a um elemento do PSD que lhe lembrava a hipótese de o Orçamento de Estado da Coligação poder vir a ser aprovado mediante votos favoráveis de parte da bancada parlamentar do PS, a pessoa alternativa, jurista e deputada socialista Isabel Moreira lembrou, por sua vez: "Então e a disciplina partidária?".

    De onde se conclui o que já se sabia que ela sabe, aliás: que se todo o mundo fosse alternativo seria muito mais disciplinado; e que ser alternativo é ser um disciplinador de consciências  - a bem da Nação, é claro.

    A deputada Isabel Moreira promete. E cumpre.

Grande Entrevista a António Barreto, ontem



A ver, aqui.

Inesquecível


21 de outubro de 2015

Futurologia para principiantes



Estou convencido de que, no futuro da língua portuguesa, surgirá a expressão "O tipo é um Costa!" quando nos referirmos a alguém que não é, de todo, pessoa em quem se possa confiar.

20 de outubro de 2015

Aos 80 anos...


Yoná Magalhães na gala da novela Sangue Bom, em 2013

... morreu esta manhã Yoná Magalhães. E, com ela, a manhã ela própria. 

19 de outubro de 2015

"A esquerda também aprende"




É só rir, é só rir! Não há como este homem para... ihihih! Ora leiam... ihihih... Ainda o veremos a receber o Prémio Nobel... ihihih...

«Tudo leva a crer que a esquerda portuguesa começou a entender que o ciclo político iniciado com o 25 de Abril está a terminar e que todos juntos talvez sejam suficientes para inverter o processo de decadência estrutural que a coligação de direita iniciou com a ajuda da troika. No sentido que lhe atribuo, decadência significa divergência progressiva, em vez de convergência progressiva com o rendimento médio europeu e os indicadores sociais que lhe estão associados. A prazo, se houvesse convergência, os jovens portugueses teriam tanta necessidade de emigrar como os jovens alemães ou finlandeses. Está em curso o processo oposto.

Não é ainda claro o que cada partido aprendeu. O PS começou a aprender que quanto mais se parecer com a direita menos a direita precisa dele e menos precisam dele os cidadãos e cidadãs que, inconformados com as suas políticas, começam a identificar alternativas à esquerda. Se aprender esta lição, terá igualmente que aprender que vai ser necessário organizar alguma rebeldia a nível europeu, com sabedoria e aliados europeus. Sem renegociação/restruturação da dívida e com o atual Tratado Orçamental, a decadência é fatal com ou sem fantasias macroeconómicas. Aprenderá? Não esqueçamos que a ignorância estrutural no PS é muito alta. Só isso explica que Francisco Assis esteja à espera que o partido lhe caia nas mãos. Se isso acontecer, terá o triste privilégio de ser o seu coveiro.

O BE e o PCP aprenderam que os portugueses lhes deram demasiados votos para poderem ser apenas votos de protesto. Durante a campanha ouviram muitas vezes o apelo dramático: "Tirem esta direita do poder". Deveriam entender-se entre si e não apenas cada um deles com o PS.

Com o Livre, a esquerda também aprendeu. O Livre foi uma presença talvez passageira mas salutar porque introduziu duas inovações, uma programática e outra organizativa. Foi a primeira força política, depois do 25 de Abril, a pôr a unidade de esquerda no centro da sua agenda política, uma unidade assente em bases programáticas credíveis. Foi a única força política que abraçou convictamente a democracia direta e participativa na eleição dos seus candidatos e se articulou de modo não proprietário com movimentos sociais autónomos, como foi o caso do Movimento de Cidadãos por Coimbra (CPC).

Em geral, e salvo situações de total descrédito das forças políticas dominantes (como recentemente em Espanha), as grandes inovações políticas não são bem acolhidas em processos eleitorais, dominados por rotinas, lealdades e aparelhos. Mas o facto de não beneficiarem quem as introduz não quer dizer que se percam. A inovação programática introduzida pelo Livre foi decisiva para a mudança estratégica (e não apenas tática, ao que parece) do BE no sentido de, já na campanha eleitoral, se abrir a uma aliança com o PS, que no passado parecia ser o seu inimigo principal.

O Livre conseguiu impor parte da sua agenda, mas poderá aprender com a sua vitória? Para isso, deveria equacionar dissolver-se em nome da unidade de esquerda por que lutou desde que se realizassem as seguintes condições: o BE mostra que a unidade de esquerda é, para os tempos que se aproximam, a melhor decisão estratégica; adota a inovação organizacional do Livre, a democracia direta no interior do partido, acabando de vez com vanguardismos, leninistas ou não; mostra-se disponível para acolher os ativistas do Livre, a grande maioria deles ex-militantes ou ex-simpatizantes do BE, se estes assim o entenderem; a direção do Livre põe à discussão nas suas bases, votantes e simpatizantes, a hipótese da dissolução nas condições referidas, e o voto é pela dissolução.

Qualquer que seja o resultado, será um momento alto de pedagogia política de esquerda. Se a decisão for a não dissolução, o Livre terá um mandato mais forte para continuar. Se o Livre se dissolver, os movimentos sociais que se articularam com ele nada têm a perder. O CPC, por exemplo, continuará a sua luta por resgatar Coimbra das oligarquias políticas medíocres e corruptas que a têm destruído. Em próximas eleições serão os partidos a necessitar do CPC, e não o contrário.»

17 de outubro de 2015

O sapateiro grego e a chinela



Varoufakis disse, em Coimbra, que “a lógica estava do nosso (do Syriza) lado”. Mas, direi eu, na medida em que o discurso do Syriza não alterou a realidade e tendo em atenção que, segundo a afirmação hegeliana herdada pelo materialismo dialéctico perfilhado pelo Syriza, “o que é racional é real e o que real é racional”, o Syriza deveria reconhecer que o que diz não é lógico e Varoufakis compreender que, afinal, não percebe nem o mundo real nem, por consequência, de economia racional.

Acrescentou ainda o ex-ministro grego que o cargo desempenhado lhe permitiu contactar com “o desprezo Platónico pela democracia” de Bruxelas. Sobre o pouco apreço pela democracia detectado in loco por Varoufakis poder-se-á e convirá mesmo discutir; sobre o termo “Platónico” é que nem vale a pena, porque comparar as altas instâncias europeias com o Conselho dos Sábios de uma cidade organizada segundo Platão é o mesmo que, utilizando a expressão popular, “comparar uma vaca com um molho de salsa”. Mais uma vez, portanto, Varoufakis não sabe do que fala. Nem sabe que não sabe. Nem, porventura, lhe interessará saber.

Porém, fala. Fala. Fala com o que aprendeu numa qualquer vulgata mal-amanhada, floreando o discurso com o desprezo pelo conhecimento que ela lhe proporcionou. Fala como um daqueles demagogos que ajudaram a estilhaçar a antiga Atenas, doente de corrupção. Porque, se se calar, toda a gente se aperceberá de que, afinal, está mais morto do que parece. E ele, mesmo morto, ainda tem que comer, caramba!

Agora a sério: Varoufakis lembra-me um feirante que se apresenta como fabricante de calçado de luxo ou especializado, sem que saiba sequer fazer uma sandália decente. Mas para “Coimbra, onde se diz tanta asneira” (citando Agostinho da Silva, numa das suas “Conversas Vadias”), sabe-se que isso basta para que esta sua presença tenha ficado para sempre registada num Livro de Ouro das Profissões do Saber.

15 de outubro de 2015

Epopeias siderais Tutankhamon-Nefertite ...



... reloaded.


"cerca de 800 000 (oitocentos mil) euros em dinheiro, provenientes da lei de financiamento dos partidos"


... e ...


"Se nestas condições objectivamente favoráveis o Partido não alcançou nenhum dos objectivos políticos imediatos ao seu alcance - aumento substancial da votação nas listas do Partido e eleição de uma representação parlamentar - tal fica unicamente a dever-se à incompetência, oportunismo e anticomunismo primário do secretário-geral do Partido e dos quatro membros do comité permanente do comité central, que tudo fizeram para sabotar a aplicação do comunismo, do marxismo-leninismo, dos métodos de trabalho, do programa político e da linha de massas que sempre caracterizaram a vida e luta do Partido."

"sem prejuízo de entregar imediatamente à respectiva Comissão Financeira as contas bancárias e os dinheiros do Partido"

"Cada um dos cinco membros agora suspensos deve preparar e apresentar, dentro de oito dias, ao comité central em exercício de funções, o relatório sobre as respectivas actividades políticas e a autocrítica quanto aos erros que cometeu na direcção do Partido."

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"Nefertite não tinha papeira 
Tuthankamon apetite
Já minha avó me dizia
Olha que a sopa arrefece."

                                                             José Afonso

"Isto pode não acabar bem"




Avisa, com toda a razão, Rui Ramos, no Observador:


Em Junho de 2004, o primeiro-ministro Durão Barroso aceitou o convite para presidente da comissão europeia. O PSD escolheu Santana Lopes para lhe suceder. O governo era então apoiado por uma maioria absoluta do PSD e do CDS. No entanto, o PS, o PCP e o BE reagiram violentamente. Foi explicado que as eleições legislativas eram essencialmente um plebiscito aos candidatos a primeiro-ministro, e que Santana, sem eleições,  seria um chefe de governo “ilegítimo”. Houve manifestações em frente ao palácio de Belém a exigir eleições antecipadas. A 9 de Julho, quando o presidente optou por dar posse a Santana, o secretário-geral do PS demitiu-se. A dramatização resultou: em Novembro, o presidente acabou por dissolver a assembleia, apesar de o governo nunca ter perdido a maioria absoluta no parlamento.


Estas eram as regras, segundo o PS: o primeiro-ministro só podia ser o líder do partido que ganhasse as eleições com mais votos do que os outros partidos. Como explicou António Costa, em Setembro de 2009: “os portugueses conquistaram um direito a que não podem nem devem renunciar: o direito a que os governos não sejam formados pelos jogos partidários, mas que resultem da vontade expressa, maioritária, clara e inequívoca de todos os portugueses.” Eram ainda as regras a 4 de Outubro deste ano. Já não eram no dia seguinte.


O avanço estratégico do BE e do PCP

Vamos falar então de “jogos partidários”, que é donde agora saem os governos. Para António Costa, o jogo é óbvio: só como primeiro ministro pode voltar ao Largo do Rato sem correr o risco de ser pendurado numa árvore. Para o BE e o PCP, também: é o jogo de sempre. Ao contrário do que se diz, não foram eles que mudaram, foi Costa. O PCP e o BE estiveram sempre dispostos a apoiar um governo do PS: bastaria que o PS rompesse com a “direita”. A expressão “maioria de esquerda” foi aliás inventada pelo PCP em 1976. Em 1987, o PCP esteve pronto, com o PRD, a juntar-se no governo ao PS. Em todas as ocasiões, foi o PS – ou, mais precisamente, Mário Soares — , que recusou misturar-se com o PCP.


O PCP e o BE não querem por enquanto tirar Portugal da NATO ou do Euro. O PCP e o BE são partidos leninistas, e os leninistas aprenderam a actuar por “etapas”. Nesta “etapa” inicial, têm dois objectivos: comprometer e condicionar o PS, e aceder aos recursos do Estado (o “queijo Limiano” também é vermelho). A declaração de Catarina Martins ontem, ao abolir o governo PSD-CDS após uma conversa com Costa, revela o jogo: o BE e o PCP estão resolvidos a um “recuo programático”, se isso corresponder a um “avanço estratégico”, que deixe o PS à sua mercê.


A redução do PS

Vigora ainda a tese de que esta é a ocasião de o PS comprometer no governo o PCP e o BE, de modo a absorver os seus eleitores. Talvez sim, mas talvez não. O PS, no caso de Costa realizar o seu “governo de esquerda”, corre dois riscos. O primeiro é ajudar a fixar, a partir do Estado, o eleitorado até agora volátil do BE. Nunca mais o PS se livraria da concorrência bloquista, como ao fim de 40 anos ainda não se livrou do PCP, devido ao poder que os comunistas adquiriram nas autarquias e nos sindicatos.


O segundo risco é o PS perder os seus eleitores “moderados”. A partir do momento em que o PS fizesse parte de um bloco com dois partidos que, mesmo sem conspirarem nos quartéis, não acreditam na democracia pluralista nem na economia de mercado, muitos cidadãos que acreditam nessas coisas hesitarão em votar PS. Ou seja, o resultado do jogo de António Costa poderia ser uma redução do voto do PS, e a consolidação eleitoral do BE, ao lado do PCP. Nesse cenário, a esquerda passaria a consistir em três partidos, a valer 10%-15% de votos cada um, e a valerem todos em conjunto menos do que valem agora. Seria o fim do PS como grande partido de governo e também, por isso, o fim da “maioria de esquerda” em Portugal. E logo que isso fique claro, a aliança PS-PCP-BE tornar-se-á mais instável do que um saco de gatos.


A oportunidade da direita

E é aqui que convém entrar em linha de conta com a direita. Quase toda a gente parece pressupor que a direita ficaria sentadinha e caladinha enquanto Costa invade São Bento com o PCP e o BE. Não esperem tanta abnegação. A direita não pode ficar quieta, a não ser que queira desaparecer numa nuvem de irrisão. Imaginem-se no lugar do PSD e do CDS. Primeiro, tiveram de executar um ajustamento negociado pelo PS, apenas para verem Costa renegar todas as responsabilidades e deixar-lhes o odioso. Depois, ganharam as eleições segundo as regras antigas, apenas para verem Costa mudar as regras e roubar-lhes o governo.


A conformarem-se sem luta com mais esta golpada de Costa, os líderes do PSD e do CDS acabariam desacreditados. Também eles, por uma questão de sobrevivência, serão obrigados a subir a parada. Em 2004, a enorme pressão criada pelas esquerdas levou Sampaio à dissolução, apesar da maioria de direita no parlamento. Desta vez, caberia à direita ajudar o próximo  presidente a concluir que o país precisa de uma clarificação eleitoral, apesar da maioria de esquerda. A direita terá de vir para as redes sociais e para a rua. Terá de mostrar-se “indignada” com a “ilegitimidade” de um governo de derrotados nas eleições.  Terá de exigir que seja dado ao povo, em Maio ou Junho, logo que seja possível, o direito de votar numas eleições em que se defrontem claramente duas coligações, a do PSD-CDS e a do PS-PCP-BE. Será essa, aliás, a única maneira de evitar maior crise.


Depois de quatro anos de austeridade, a resistência à “Frente Popular” será para o PSD e o CDS a grande oportunidade de se reconciliarem com o seu eleitorado e, sobretudo, de recuperarem de vez para uma maioria de direita os eleitores do PS que acreditam na democracia pluralista e na economia de mercado. Nunca, por isso, o PSD e o CDS aceitarão o governo Costa-PCP-BE como “normal” antes de novas eleições.

Uma nova polarização política

É também natural que a “Frente Popular” tente aproveitar a resistência do centro-direita. Acusará o PSD e o CDS de “radicalização”, como aliás já está a fazer. Há-de inventar conspirações “fascistas” e conjuras do “imperialismo alemão”. Fará comícios com Varoufakis e Pablo Iglesias, com toda a gente a gritar “não passarão”. Radicalizar-se-á mais do que Costa e até o PCP e o BE têm previsto.


Ficaremos outra vez entre “fachos” e “comunas” como em 1975, para grande confusão das gerações que nasceram depois e que não gostam de se “enervar” com a política. É verdade que desde vez não há COPCON. Nem por isso deveremos deixar de recear algum tipo de ruptura política que, num país meio falido e numa democracia agora sem regras, terá  custos e demorará anos a sarar. E tudo isto para quê? Para António Costa não se demitir de secretário-geral do PS. A grande história é, por vezes, feita de pequenas coisas.